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Então, boas tacadas
Tivemos um Inverno inclemente. Não fez muito frio,
mas choveu muito. Desde Setembro do ano passado até princípio de Maio choveu
mais do dobro da média dos últimos 30 anos. Os campos encharcaram, os
jogadores fugiram. Mais um ano de pouco crescimento no número de jogadores
portugueses. Embora o golfe seja um desporto de Inverno, é realmente
desagradável jogar com vento e chuva. Agora começou-se realmente a jogar
golfe. Cada vez se joga pior, como de resto é natural para quem não treinou
durante o Inverno.
Neste longo período, dois temas foram uma constante
na minha linha de pensamento da coisa do golfe. Um é o da ordem, da
disciplina, das regras, das pequenas desonestidades que o jogo proporciona a
alguns e a falta de jogadores portugueses. O outro é o da proliferação de
campos de golfe em Portugal. Neste artigo fico-me pelo primeiro tema, o da
disciplina. Logo a seguir, volto ao outro ao qual está intimamente ligado.
Como todos sabem. Ou deviam saber.
Há algumas semanas fui convidado para fazer uma
palestra no “Marbella Meeting Point”, subordinada ao tema “ Tendências do
golfe mundial”. Trata-se de um encontro de pessoas e empresas ligadas ao
mundo do imobiliário, que tem sempre um pouco a ver com o golfe, sobretudo
quando se fala de férias e de imobiliário turístico.
Tive oportunidade de dizer que em Portugal, o golfe
teve três fases de evolução. A primeira, na instalação dos primeiros campos de
golfe, tais como o Oporto, o Estoril e a Carregueira, feita pelos ingleses
agricultores de vinha no Douro, os da Eastern Telegraph e os da Carris. A
segunda fase, feita pelos portugueses quando estes começaram a ser os
dirigentes desses clubes e que durou até ao início dos anos setenta; e,
finalmente, a terceira fase com a explosão do golfe turístico com a construção
de campos de golfe comerciais tais como o Penina, Vale do Lobo, Vilamoura e
Quinta do Lago.
Foi através dos resorts turísticos ou hoteleiros que
o golfe se desenvolveu em Portugal até uma situação que se pode considerar de
exemplar. É fácil atestá-lo: cerca de 300 mil pessoas fazem mais de um milhão
de voltas de golfe anuais e deixam no Algarve mais de 350 milhões de Euros.
Com efeito estes números são auto-explicativos. Pode
mesmo dizer-se que o golfe no Algarve é o “cluster” de maior sucesso em
Portugal. O Algarve está indubitavelmente entre os três melhores destinos de
golfe mundiais. Muito bom clima, campos planos na sua grande maioria e de
execelente nível técnico e uma gastronomia simples, com base no peixe, mas
que é do agrado de todos. Só faltaria um pouco de melhor serviço para que
pudesse ser- realmente- o melhor destino de golfe mundial.
Contudo, aquilo que é sucesso no Sul pode não ser no
Centro ou no Norte. É a velha máxima do turismo: “location, location,
location”. Uma boa localização faz o êxito ou o insucesso do negócio.
Como resolver este problema? A indústria do golfe
está muito atenta ao desenvolvimento do sector do golfe sobretudo no que
concerne o seu número de praticantes nacionais.
O que hoje acontece dá boa nota da preocupação dos
industriais, especialmente quando comparado com Espanha. Na “grande Lisboa”
que vai da Rio Maior até ao Marvão, passando por Óbidos, Estoril, Sintra,
Costa da Caparica e Troia há 19 campos de golfe, sendo 14 de 18 buracos e 5 de
9 buracos. Neste espaço geográfico há cerca de 4.500 jogadores de golfe o que
dá uma média de cerca de 236 jogadores por campo. Aqui ao lado, na “grande
Madrid” há cerca de 63 mil jogadores a dividir por 21 campos de golfe, o que
dá uma média de 3 mil jogadores por campo. Isto é, se algum promotor
imobiliário pretender investir nesta área dos resorts residenciais com golfe,
em Madrid, tem à partida cerca de 3 mil pessoas que estão disponíveis para
tornar o seu golfe rentável independentemente do sucesso imobiliário.
È aqui que reside o problema. São precisos mais
jogadores de golfe em Portugal, sobretudo no centro do país. É que, por muito
interesse que haja dos eventuais turistas do Norte da Europa em ter uma casa
de férias em Portugal, creio que é mais fácil e mais lógico fazê-lo no Algarve
além de que não deve haver portugueses suficientes para comprar todas as casas
e apartamentos que se prevêem ser construídos. Muitos deles à volta de golfes.
Não há volta a dar. Há que atrair para o golfe milhares de novos jogadores
para rentabilizar os campos e para comprar as propriedades adjacentes.
Daí o tema que propunha no início deste artigo: a
ordem, a disciplina, as regras. Há muita gente que pressupõe que a
massificação se faz ao “deus dará”, sem regras, de qualquer maneira. Este é um
dos grandes problemas nacionais e que se prende também com a “falta de escola”
que redunda depois na tradicional “falta de manutenção” a todos os níveis da
economia e sociedade portuguesa. A falta de ordem, de regras, de disciplina,
dá uma sensação de facilidade que cedo se transforma em facilitismo e que
acaba no desastre. No golfe não podemos dar-nos a esse luxo.
O campo deveria ser a Catedral. Respeitada por todos.
Seguindo as regras e conselhos dos secretários dos campos. Isto é: não jogar
de jeans, calções de banho, T-shirts, sem calçado apropriado, não andar de
buggy por cima dos greens ou dos bunkers, não arrranjar os “pitches” e não
repôr os “divots”. Jogar depressa e deixar passar os que são mais rápidos. As
famosas regras de etiqueta, que são a primeira parte das regras de St.
Andrews. Aquelas que parece ninguém lê.
É que o golfe é como uma religião. Tem o seus
mandamentos. A sua liturgia. E as suas igrejas. Para ter fiéis. E são mais de
60 milhões em todo o mundo. Se em Portugal não há crentes é porque algo está a
falhar. Só pode ser a ordem a disciplina.
Foi o que me disse antes da palestra em Marbella um
profissional inglês que apanhei no Algarve poucos dias antes, respondendo à
minha pergunta:” Tony, diz-me sem pensar, em cinco segundos, qual é o maior
problema do golfe a nível mundial?” Ao que ele respondeu: “ Ordem, disciplina.
Os emergentes do golfe vão-se embora se sentem que não há ordem, princípios.”
E assim arranjei um tema para a minha palestra.
Então, boas tacadas
fnpedro@planbelas.pt |