Então, boas tacadas III
Como prometi, volto à carga para a segunda parte dos
temas que considerei importantes, no meu artigo anterior, para o
desenvolvimento do golfe em Portugal. Relembro o primeiro: a importância das
regras na consolidação da modalidade. Queria dizer que, sem um estrito
cumprimento das regras de etiqueta e de jogo , o golfe só muito dificilmente
se poderá expandir entre nós. Nada se faz sem regras.
O segundo é mais complexo. Tem a ver com a
proliferação de campos de golfe em Portugal, sobretudo na região da Grande
Lisboa.
O Algarve conta neste momento com 25 campos de golfe
e perspectiva-se a construção de mais alguns- talvez outros 25 – nos próximos
anos. É demais? Não, não é. O Algarve é provavelmente o “melhor destino de
golfe do mundo”. Fazem-se por ano cerca de 1 milhão de voltas mas acredito que
se possam fazer dois milhões. E, para estes números, desde que se mantenham os
níveis de qualidade e de oferta diferenciada que propiciem “pacotes” com
médias de preços atractivas, é relativamente fácil que as empresas tenham os
seus campos cheios. Quando digo cheio é ter uma média anual entre 120 e 135
jogadores/dia. As empresas exploradoras de campos de golfe continuarão por
certo a ter resultados muito apreciáveis para os seus investimentos. Aliado ao
clima, incomparável ao de qualquer outro destino, temos os próprios campos.
Alguns muito bons, de acesso fácil e “flats”, i.e., “friendly users”. O
Algarve tem assim, à sua mercê, os cerca de 2 milhões de jogadores que todos
os anos fazem viagens de golfe. Tem apenas que manter os 22% de jogadores
europeus que viajam regularmente, Basta dar-lhes um bom serviço para
mantê-los fiéis.
A região da Grande Lisboa tem neste momento 19 campos
de golfe, sendo 5 de 9 buracos e os restantes de 18 buracos. A maior parte são
campos de golfe de grande categoria, “championship golf courses” nalguns
casos. O problema é que se situam num espaço habitacional muito grande, com
uma intrincada rede de estradas a que se junta um rio da dimensão do Tejo e
apenas duas pontes. Ter um “starting-time” às 9h30 da manhã e partir de um
hotel da zona do Estoril para outro destino qualquer que não seja o próprio
Estoril, é uma aventura que só ocasionalmente poderá correr bem.
Lisboa não é um destino de golfe no sentido que é o
Algarve. Ou a Costa del Sol, Myrtle Beach, Hilton Head, ou a Florida. Ou a
Escócia ou a Irlanda. São poucas as pessoas que fazem férias de golfe junto de
grandes cidades. Não me passa pela cabeça ir a Paris jogar golfe durante uma
semana. A Paris vou fazer compras, ver museus, passear, jantar e beber um bom
vinho. Em Paris, ou em Madrid, Nova Yorque, ou Rio de Janeiro. Só uma
percentagem muito pequena dos dois milhões de europeus que se deslocam
anualmente para fazer férias de golfe o fazem para um destino perto de uma
grande cidade. É lógico.
A zona da grande Madrid, tem 21 campos de golfe e
cerca de 63 mil jogadores. Espanhóis ou residentes estrangeiros. Isto
significa que cada campo tem em média, potencialmente, cerca de 3 mil
jogadores!!!. Os campos estão completamente cheios todos os dias. Há jogadores
que só jogam em dias de semana. Os fins de semana estão reservados para os
sócios mais antigos. Tenho amigos em Madrid que se levantam de madrugada para
garantir um lugar para jogar ao sábado. Os preços de memberships subiram
extraordinariamente. Entre os 12 mil e os 36 mil Euros para ser-se sócio de
alguns clubes. Dos que ainda têm lugar.
É óbvio que Espanha é um exemplo de progresso
económico e social a nível mundial. E que nesse progresso está implícito uma
grande aposta de “nuestros hermanos” na escola e na actividade desportiva com
os sucessos que se conhecem em quase todas as modalidades, desde o atletismo à
Formula 1, do ténis ao golfe, do basquetebol ao ciclismo, dos desportos ditos
de elites até aos mais populares. Toda a gente faz desporto de modo que é
natural que se jogue golfe. Os preços lá são iguais aos de cá. Ou antes, são
muito mais caros. Mas joga-se, depois de se passar pelo futebol e pelo ténis.
É o processo natural.
Infelizmente, em Portugal o nosso desporto passa por
actividades que exigem menos esforço. Dos que jogam e dos que deviam
organizar. Infelizmente, também, não temos os níveis de desenvolvimento
económico que os espanhóis, de modo que é difícil que as empresas que têm
campos de golfe possam sobreviver com os cerca de 5 mil jogadores que vivem na
área da grande Lisboa. Dá uma média de 263 jogadores por campo, contra os 3
mil em Madrid.
A solução, assim sendo, é de natureza imobiliária.
Mas para quem? Para os portugueses? Mas se os portugueses não têm dinheiro
para jogar golfe têm-no para comprar casas de 2ª habitação ao lado de campos
de golfe? Será que o golfe é afinal tão atractivo que possa levar tanta gente
a viver paredes-meias com golfe? Mas se não há jogadores, como é que os
compradores de casas vão garantir a gestão do golfe depois das empresas
imobiliárias terem terminado o objecto para que foram criadas? Estas podem
diluir os seus investimentos no golfe na venda dos lotes dos seus
empreendimentos , mas não eternamente. Não é o seu objecto. Será de outras
entidades. Mas quem quererá assumir essa responsabilidade num lugar que não é
um destino de golfe e que não tem jogadores residentes?
Aqui está o dilema que só tem uma resposta. É
necessário correr contra o tempo para atrair rapidamente muitos jogadores. Mas
para isso é preciso a tal “escola “ e acabar de vez com a ideia de elitismo
que muita gente decidiu que enforma o golfe. Com o apoio entusiástico da
comunicação social e dos ambientalistas. E apoiar de uma forma decisiva todas
as campanhas que possam trazer para Lisboa ,muitos estrangeiros que aqui
decidam viver. Porque é barato e porque se come bem. Talvez entre esses haja
muitos que joguem golfe enquanto não aparecerem os portugueses. Pelo caminho
também é preciso vender os tais 50 milhões de casas que estão previstos nos
PDMs.
Contudo e apesar desta análise pessimista há muitas
empresas que investem em campos de golfe no centro do país. De memória conheço
doze, alguns deles já em construção. E de muitos outros ouço falar. Na
expectativa de venderem os seus lotes a um preço 30 ou 40% mais caro do que se
tivessem apenas um jardim.
Faz-me lembrar o entusiasmo que houve em Lisboa com
as “croissanterias” depois do 25 de Abril. Abriram mais de 150. Hoje são
pouquíssimas as que existem. Oxalá que tudo corra bem. E com muitas e boas
tacadas!
fnpedro@planbelas.pt |