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Então, boas tacadas VI
“Masters
2004 - Impressões e detalhes de uma viagem a
Augusta, Georgia, USA”
O vôo estava marcado para as 10h40 mas fui aconselhado pela Continental
Airlines a estar três horas antes no Aeroporto da Portela em Lisboa. As
medidas de segurança que actualmente se impõem, um pouco por toda a parte, são
uma constante no mundo actual. Ao contrário do que um amigo me dizia “ vais
ver que os aviões vão vazios!”, os aeroportos estão cheios e os vôos das
companhias de bandeira estão em “over-booking”. Não restam dúvidas de que o
interesse pela deslocação seja ela resultante de necessidade tipo familiar,
turística, de negócio ou de outra qualquer, sobrelevam os perigos que
eventualmente existem. O mundo ocidental e a nossa civilização têm o carro, o
avião e o prazer pelas viagens como paradigmas de que ninguém vai desistir.
Felizmente.
O velho problema do trolley para levar as malas parece estar ultrapassado. 1
Euro é quanto custa em Lisboa e 2 dólares em Nova Yorque.
O Aeroporto estava apinhado de gente. Começavam as férias da Páscoa e eram
inúmeras as excursões. Para as praias no Brasil e para a neve na Europa.
Famílias inteiras, com muitos garotos dos 6 aos 12 anos.
No avião lêem-se os jornais com as últimas dos acontecimentos na Europa. Mais
uma bomba nos arredores de Madrid e um suicídio colectivo de alguns dos
responsáveis pelas bombas nos comboios. Um conhecido crítico de relações
internacionais opinava que democratizar o Islão era uma tarefa impossível e
que preferia conviver com algumas bombas do que viver num estado ditatorial
que se formasse para combater o terrorismo. Engraçado, mas afinal o Islão não
quer implantar no mundo ocidental uma ditadura teocrática? Saramago e a
lucidez era outro dos temas recorrentes. Vasco Pulido Valente com a sua
escrita sibilinamente crítica, dizia só tinha lido um livro do Nobel e
forçado. Para um trabalho para uma revista. E que, segundo um amigo seu que
lera o Evangelho, ficava melhor em francês.
Lis/Newark – 6h40 minutos.
À chegada a Nova Yorque temos duas horas e meia para passar na Imigração,
levantar as malas, despachá-las para Atlanta, fazer uma nova passagem pela
segurança- desta vez tirando os sapatos, um horror- sempre com a sensação de
que se não apanha a ligação. Toda a gente muito calma. Isto é uma maçada, mas
ninguém vai deixar de viajar.
Finalmente chegamos ao terminal C depois de uma pequena viagem num Air Train,
um monorail que liga todos os terminais. O tempo ainda deu para comer um
cookie e um daqueles cafés gigantescos que não sabem a nada. Telefonei ao
“André, meu neto” que também estava na neve, na Serra Nevada. A maravilha das
novas tecnologias. Informou-me que o Miguel Angel Jiménez, que chegou ao
Penina de Ferrari, longa cabeleira loura esvoaçando ao vento e fumando
charutos, ganhou o Algarve Open de Portugal com 16 abaixo. Os nossos jovens
profissionais devem ficar a pensar como é que é possível um quarentão com
barriguinha, fazer uma exibição de categoria e vencer no difícil e sempre
espectacular campo da Penina. O segredo do golfe está numa bolha à volta da
cabeça, onde se páira, alheando-nos de tudo o que nos rodeia, mas mantendo um
contacto difuso com o exterior. É o Karma.
No avião para Atlanta, os passageiros são quase todos americanos. Dá para
perceber pelas roupas. Pelo peso. Pela forma analasada como falam.
Curiosamente são muitos os que lêem livros de bolso. Na Europa, nos aviões,
lêem-se jornais e revistas. Talvez porque os americanos têm sempre viagens
mais longas. E porque um jornal se extingue em dez minutos.
No dia seguinte, pela manhã cedo, comecei a aproximar-me de um dos objectivos
desta viagem de golfe. Jogar em Pinehurst. De carro, nunca a mais de 70
milhas por hora, em “highways” com sete pistas de cada lado em alguns
trajectos perto de Atlanta, passámos por Charlotte, ainda na Georgia, a
caminho da Carolina do Norte e do célebre resort de golfe.
![Pinehurst Resort](../images/jogadores_4/foto_pinehurts_1.jpg)
Pinehurst 1895, 8 campos de golfe, 300 mil voltas de golfe por ano, 12 mil
habitantes na vila, cinco mil e quinhentos membros, dois mil e quinhentos
jogadores sócios-jogadores de golfe, US$ 40 mil dólares por membership para
proprietário residente e mais US$ 300 dólares de subscrição mensal. Assim se
faz um dos melhores destinos de golfe do mundo.
Em Pinehurst sente-se que toda gente sabe de golfe. É um perfume
extraordinário. Joguei no famoso Pinehurst nº 2, onde se joga o Open dos
Estados Unidos em 2005. Como se tinha previsto uma ligeira geada para a manhã
do jogo, as saídas foram feitas em sistema de shot-gun. Arranjei um caddie, o
Rusty, um tipo alto , que me cumprimentou com mãos suadas, de fato-macaco de
um branco irrepreensível tal como os ténis – como deve ser – e que me deu
excelentes conselhos sobre todas as curvas dos greens. Custou-me US$ 43
dólares mais uma gorjeta de US$ 25 como o Director de Golfe de Pinehurst me
havia aconselhado. Valeu a pena porque, com os seus conselhos, ganhei US$ 30
dólares aos três simpáticos americanos que me acompanharam. O Rusty é que
ganhou.
O campo foi construído em 1904 desenhado por Donald Ross. Passou o teste dos
tempos e é uma obra-prima. Está tudo no seu lugar. Os bunkers, os declives
depois dos greens, os contornos dos fairways e o contraste com os semi-roughs
e os outer-roughs, os colares dos greens, as árvores e o paisagismo muito
cuidado mas simples e natural como se ninguém lhe tocasse. Como se uma mão
divina fosse a autora de toda essa simplicidade. Claro que não. É o trabalho
sabedor e organizado do homem que lhe dá essa sensação de equilíbrio.
Depois de uma estadia memorável no Carolina Vista Hotel de Pinehurst, uma casa
colonial branca, recheada de fotos desde 1895 época em que se inaugurou, foi
com pena mas também com algum frenesim que saí em direcção a Augusta por um
caminho mais para sul através da Carolina do Sul para dar tempo a outros
convidados de Arnold Palmer, o nosso anfitrião, poderem sair da casa em que
ficaríamos.
Chegámos assim a Charleston, cidade colonial de 300 mil habitantes. O jantar,
por recomendação do valet-boy, foi no Hanks. Deve ter sido piada do jovem de
capacete e meia alta até aos joelhos, porque deve ter sido informado que eu
sou um grande especialista em (s)hanks. O jantar foi óptimo servido por um
jovem universitário que esteve em Valência a estudar arte na universidade.
Jogava golfe e ficou entusiasmado com o que lhe contei de Pinehurst.
O caminho de Augusta pela N 178 revelou-se um tremendo fiasco. Pelos mapas
parecia a única hipótese. “ No way, this a stop and go road”- disse-me um
simpático americano num estação de gasolina. Mais auto-estradas, milhares de
carros por todos os lados. A gasolina é barata e os comboios não são muito
eficientes, são a explicação para tanto movimento. A chegada a Augusta fez-se
sem mais transtornos. Parei para um café e uma última informação sobre a
cidade. O café foi-nos oferecido, quando a jovem que nos atendeu soube que
vínhamos para o Masters: “é o maior acontecimento desta cidade”.
E lá chegámos ao 808 da Quail Court. A casa em madeira com uma entrada
elegante é acolhedora. A chave está debaixo do tapete da porta de entrada e as
entradas para o campeonato estão na cozinha, com me informaram por mail. E
estavam mesmo. A casa estava apinhada de gente, todos convidados de Arnold
Palmer. O seu staff de arquitectos e vice-presidentes da companhia faziam as
honras da casa. No fundo tudo numa acção de relações públicas muito eficiente.
Pelo meu lado, a companhia onde trabalho está a concluir o Victoria em
Vilamoura que será por certo um dos campos de referência em toda a Europa. O
convite era óbvio. Só me restava dizer aos outros convidados que passaram pela
casa nos dias que aí estivesse, que a Palmer Design tinha feito um trabalho
de grande qualidade. O que é absolutamente verdade. Todos os restantes tinham
campos em fase de projecto espalhados pela América: dois na Carolina do Norte,
um no Oregon, um na Florida, um nas Caraíbas e ainda um na Virgínia. Durante o
tempo que lá permaneci fiquei com a sensação de que havia pelo menos cinco
aviões privados que pertenciam a alguns dos convidados ou às suas empresas. A
América é um continente e as distâncias são enormes. De Miami a Dallas é como
de Lisboa a Helsínquia.
No dia seguinte lá seguimos cedo para o Augusta National Golf Club, depois de
um café às sete da manhã. O objectivo é chegar quanto antes ao campo para se
poderem fazer as compras para a família e os amigos: bolas, polos,
pitch-marks, bag-badges, guarda-chuva para o meu green-keeper em Belas e mais
uma série de pequenas coisas que não servem para nada mas que fazem parte da
nossa vida. Depois das compras feitas é voltar ao carro para as deixar lá. É
proibido andar com sacos no campo tal como as carteiras de senhora. De resto é
muito mais simpático andar sem coisas nas mãos. O que é essencial é ter uma
folha com o starting-time e uma garrafa de água para o longo dia que se
aproxima. À entrada mostramos os bilhetes mas avisam que temos que tirar a
marca da garrafa de água que levávamos. A publicidade é totalmente proibida.
Só existe uma única marca: “ The Masters”. Agradeci, obviamente.
![Augusta National](../images/jogadores_4/foto_augusta_national_masters.jpg)
A primeira impressão quando se chega ao Augusta National é inenarrável.
Digamos que é o paraíso em termos de golfe. O terreno é ondulante, digamos que
tendencialmente montanhoso. Não parece na televisão, mas é bastante íngreme.
Pinheiros enormes ladeiam os fairways tendo na sua base casca de pinheiro ou
relva. O relvado é como que uma enorme carpete de verde imaculado. Realmente
imaculado. Não parece verdade. É um contínuo de verde sem manchas de doenças.
Os meus olhos estão habituados a ver doenças por toda a parte nos relvados na
Europa mas confesso que durante três dias não consegui ver um musgo, um
dry-patch, pôa, fairy-rings, relva stressada, ou outro qualquer indício
patogénico revelador de insuficiências no sistema radicular. Nada. Uma
maravilha. Os greens são pequenos. Digamos que para os que conhecem o buraco
15 de Augusta, um par 5 com um lago a anteceder o green, este é mais estreito
que uma sala de jantar normal. São muito duros e rápidos no putting. Vi
muitos jogadores, como por exemplo o grande Fred Couples a chipar para o green
do 1, sair pelo outro lado para o rough e daí “puttar” para um bogey
milagroso. Cada buraco tem um nome que lhe vem das flores que os rodeiam. Flor
de tea-olive, pink dog-wood, flor de pessegueiro, camélias, magnólias,
juniper, azaleas, etc. É uma sinfonia de cores. Muito bem orquestrado pelos
green-keepers de Augusta e pelo conjunto de cerca de 220 sócios do Clube.
Este ano Arnold Palmer jogava pela 50ª vez seguida o Masters de Augusta. É o
único jogador do mundo que se pode orgulhar de tê-lo feito. Foi portanto uma
semana com apenas dois heróis. Ele e o vencedor final, Phil Mickelson.
Arnold Palmer é um caso à parte no golfe mundial. É notável como um homem de
75 anos de idade, a quem começa a faltar naturalmente o vigor da juventude,
consegue não só jogar bem- fez 12 acima em cada um dos dois dias que jogou-
como levar atrás de si um entusiástico público de onde, de quando em vez,
surge uma palavra de apoio “ Thanks Arnie, for all these years”. Vi caírem-lhe
as lágrimas ao fazer um par no buraco 17, quase da mesma forma como havia
feito em 1960 quando ganhou a Gary Player no play-off desse ano. Pouco antes
vi-o no buraco 16 jogar um ferro 4 por cima de água, colocar a bola a correr
pelo green até junto do buraco. Arnold Palmer teve aí a sua maior ovação e nos
seus olhos entrevia-se o orgulho que sentia por ter conseguido ultrapassar
esse obstáculo de água. É que o green está bastante longe e jogar um ferro 4 e
fazer parar a bola naquele green é realmente para um mestre. De 75 anos.
À noite no Golf Channel de que é um dos principais accionistas e que dá golfe
24 horas por dia, respondia à pergunta: “Como foi?”- “ Começo agora a ter pena
. Saber que só muito dificilmente poderei continuar a competir”. As lágrimas
rolavam-lhe pelo rosto. Não é normal ver um herói da América a chorar. Venceu
o momento dizendo que poderia ter feito melhor não fora o seu caddie. O pior
do mundo. “ O meu neto Sam”. E um riso maroto apareceu-lhe no canto dos
lábios. E arrematou. “ Se calhar para o ano, volto outra vez. Gosto disto
demasiado. E venho para fazer o cut. E, se fizer o cut vou jogar para ganhar,
claro !!!” , terminando com uma sonora gargalhada. Como milhões de pessoas que
o ouviam nesse momento.
Não consegui quase ver o Tiger Woods. Ele está para casar com a antiga “nurse”
dos filhos do Jesper Parnevik. O seu joelho esquerdo também não me pareceu que
estivesse bem. Os seus esgares embora contidos davam par ver que alguma dôr
deve andar por ali. Mas o principal indício é o da estatística da distância no
drive. Em buracos escolhidos previamente Tiger Woods ficou-se por um modesto
71º lugar entre menos de cem jogadores.
O jovem inglês Justin Rose era líder ao fim dos primeiro dois dias, mas não
aguentou a pressão. É como nós, os amadores, quando estamos a fazer um grande
resultado e pensamos, quando só faltam 3 buracos: “”” ...estou dez abaixo do
handicap, é o jogo da minha vida...”””. Desastre. Foi o que aconteceu ao
Justin Rose. Espero que não marque demasiado a sua carreira.
O grande vencedor foi o Phil Mickelson, um esquerdino de 33 anos idade que
acabou com - 9, seguido de Ernie Els com – 8 , o coreano Choi com – 6 e
Sergio Garcia e Langer com -3. Curiosamente, entre os primeiros dez
classificados, 6 foram não-americanos. Registe-se ainda a boa forma do
espanhol Sergio Garcia.
Mas o grande vencedor foi o Phil, de resto o mais popular entre o público e de
alguma forma também uma vitória que lhe fugia há muito tempo. Mickelson era o
melhor jogador do mundo que ainda não tinha conseguido vencer um “major”. Vai
ganhar alguns mais.
Depois de vários anos a tentar ter cada vez mais distância nos drives, pelo
que era muito criticado, acabou por dar razão ao maior jogador de todos os
tempos Jack Nicklaus quando aconselha: “get distance first, accuracy after”.
Phil Mickelson venceu da melhor maneira. Com um birdie no 72º buraco. Terminou
o campeonato com um sorriso enorme dizendo que havia duas coisas que jamais
lhe poderiam tirar: e apontava orgulhoso para o blazer verde que só os
campeões podem usar e o sorriso que mantinha constantemente. A que não deve
estar alheio os US$ 1,175 milhão de dólares que levou para casa, ficando este
ano com cerca de US$ 3,5 milhões de ganhos em três meses de competição até
Abril.
Para fechar, apenas uma última impressão com um pequeno detalhe. Jamais
trocaria Portugal pelos Estados Unidos para viver. Mas faz pena que todos nós,
os portugueses, não consigamos ter níveis de manutenção mais elevados em tudo
o que temos ao nosso cuidado. Seja o nosso campo de golfe, as nossa ruas, os
nossos lugares públicos. Se o fizéssemos seríamos o mais apetecível país do
mundo para se viver.
Fernando Nunes Pedro
fnp-golfe@netcabo.pt |