Então, boas tacadas VII

Fernando Nunes PedroA chegada ao clube é sempre feita a correr. Na noite anterior já só se pensa na partida do dia seguinte. Não esquecer os sapatos, as bolas, o polo para jogar e outro para depois do banho. Tudo isto e mais algumas minudências mais íntimas. Acordar cedo. Normalmente antes da hora habitual de se ir para o trabalho. Sim, porque esta partida de golfe é sempre imposta por todos aqueles amigos, que fazem parte do “foursomes” e  que dormem pouco. Ou pelos que têm uma vida mais descansada. Meio sonolento lá se vai para o campo sempre com a sensação de que se esqueceu algo.  

(Um parêntesis aqui para aconselhar e avisar os viajantes de golfe que é sempre depois de uma noite com mais alegria e algum álcool, e um acordar cheio de stress, inebriado pela perspectiva do  jogo, que acontecem os acidentes vasculares. Em férias de golfe é sempre preferível jogar tarde que cedo. No golfe como é tudo ao contrário, o velho ditado deve ser lido: ”quanto mais tarde, melhor”). 

O pequeno-almoço é sempre a correr. Come-se a sandwich no bar do campo, Ou passa-se pela padaria no caminho para o golfe. Onde se encontram alguns dos velhos companheiros, “connaisseurs” destas andanças matutinas. O carrinho eléctrico lá está a postos pronto para nos rebocar ( literalmente nalgumas subidas) e ao nosso saco de golfe.  

(Mas, porque é que os carrinhos de golfe nunca andam a direito? Fazem sempre slice ou draw! Os construtores deviam pensar um pouco mais nisso. Como é que se evita que um carrinho suba por uma montanha ou mergulhe numa regueira? Porque é que eles não pensam que enquanto o carrinho se passeia pelos fairways há todo um mundo de coisas para o jogador fazer. Beber água. Marcar o ultimo resultado. Verificar se tem pancada no próximo. Dar uma olhadela para o telemóvel para ver a informação sobre o Nasdaq?... Enfim. A indústria de golfe ainda não entendeu que isto é um negócio de triliões de dólares!!!) 

Quatro matulões, de calças com cintura abaixo da barriga proeminente, fazem exercícios de aquecimento, que só não partem músculos porque não calha. Uns abaixam-se. Outros espreguiçam-se como os gatos. Há os que bocejam. Alguém pede uma bola. UMA BOLA! Abre o boné atira as bolas lá para dentro e pede a outro para tirar duas bolas. É a escolha de parceiros. Não. Assim não pode ser. Um deles viu a posição das bolas e já sabe com quem vai jogar. É melhor atirar as bolas ao ar. Para trás das costas. Para a frente nunca. Sempre para trás. Vá-se lá saber porquê. Jogas com fulano. Cumprimentam-se os parceiros: “ Estás de parabéns. Já ganhaste!  Vamos esmagá-los!  

Sai o handicap mais baixo. Grande shot. E a seguir todos os “fellow-competitors”. Uns melhores. Outros piores. Ah! As costas. Não dormi nada esta noite!!. Aqui há lugar para um bom ditado. De golfista. Todo o grande golfista tem sempre uma grande desculpa. “Aqui posso dropar?”- pergunta o infeliz cuja bola foi cair perto de aparas de relva que o “green-keeper” esqueceu de mandar levantar . “Posso tirar as pedras do bunker?”. Agora parece que já se pode. Li há dias numa revista que tem a ver com o perigo que pode representar, para o próprio ou para os adversários, uma pedrinha que saia disparada com o impacto do taco. Coitados dos estropiados de antes desta nova regra. É, o mundo é mesmo assim. Daqui a milhares de anos continua a haver juristas. E deputados. E governos. Toda a gente a fazer novas leis. Incessantemente.  

Entretanto o jogador que ficou com a sua bola mais próximo do buraco, desloca-se orgulhosa e suavemente para a bandeira. “ Posso tirar?” Ou. “Alguém quer assistência?”. Tira a bandeira e num gesto majestático, cheio de glória e de poder, atira – mas atira mesmo- a bandeira para o chão. “ Catrapuz!!!”. As pobres das raízes, das roscas e das miríades de seres vivos que vivem nos greens, uns a destruir e outros a salvarem-nos, bebendo e comendo naquela selva verdejante, dizem para si mesmos:” Quem será o selvagem que hoje está por aqui ? “ Se fosse só um! Mas temo que haja muitos  mais”. 

Entretanto, depois do primeiro “putt” o jogador que ficou mais longe prevendo a “saga dos três putts” apressa-se a dar a primeira versão do dia acerca dos greens”. “Isto está muito lento. Francamente, hoje que é sábado e ninguém cortou os “greens”. Inadmissível.!!!” O jogador seguinte, que estava a investigar a sua “linha”, cuidadosamente como na TV, não reparou no “putt” falhado do companheiro, mas ainda ouviu: “leeeento!”. Pronto. Deu uma piparote na bola que esta saiu do “green” e ficou mais longe do que estava. Grunhiu uma imprecação. E ruminou: “Que estúpido. Já sabes que não podes ouvir estas informações. Ele devia ser penalizado”. A sequência foi: putt, chip, chip e três putts. Dá cá um sete. Os “fellow-competitors” riem-se baixinho e um deles comenta: “Eu não te disse? “ 

O jogo continua. No segundo fairway, pergunta-se:” Pode-se pleiçar?”( É assim que se escreve?) . “Não, hoje não se coloca. Já não estamos no Inverno.”- responde o que tem a sua bola bem colocada, lá longe, no meio do fairway. O jogador que quer pleiçar(?), põe a madeira 3 atrás da bola, dá três pancadas na relva atrás da bola, que assusta os moradores “ há obras cá em casa?”, faz pressão na relva, transforma o vale onde a bola se encontrava, num pequeno vulcão de onde emergia uma enorme lava branca: a sua bola. “Agora já posso jogar”. Grande shot dizem os outros três. Bola no green. Mais perto do buraco. E uma unidade. E segue orgulhoso da sua façanha até ao green.  Imponente. Está pronto para o primeiro birdie do dia. Mas a safardana da bola ainda não está dada. Marca a bola displicentemente. Põe a marca bem juntinho à bola. Quando chegou a sua vez de jogar, colocou a bola fora da linha onde repousava antes de a marcar, porque obviamente uma pequena reentrância no green iria prejudicar a sua fantástica pancada. E claro, coloca a bola um pouco mais à frente. “ Mas que mal é que isso tem? A bola entra de qualquer maneira!”. Faz-se ao putt, pensa que a linha é pela direita. Sai da bola. Tem que ver do outro lado. Como na TV. É aqui que começam os problemas. Dá-se tempo para se instalar a incerteza. “ O suave sabor amargo da incerteza” – “Nome de um filme?” De um livro? É parecido.” Volta ao princípio e falha o putt com uma gravata de 360º. “ Puxa! Como nos safámos”. Dizem os companheiros.  

Entretanto o grupo da frente atrasara-se. Uma vez mais um dos jogadores entrava no green pelo lado da sua bola, exactamente pelo lado oposto do próximo tee. Depois de acabar o buraco foi até ao carrinho, tirou o cartão do bolso e pergunta: “ quanto fizeste”? Depois fica a marcar o número de putts, o GIR ( green in regulation), o ferro que jogou, a última estatística que inventou na semana de trabalho anterior e sai desesperado para o tee seguinte.  

Próxima saida. A honra é do melhor score do buraco anterior. Faz-se ao stance, um swing de ensaio. Está preparado para a pancada. Começa a ouvir um pequeno ruído. Parecia uma campainha. Olhou para o lado de onde vinha o ruído e vê o “ fellow-competitor” a mexer nos tees dentro do bolso que tocam no pitch-mark e desconcentram até um morto. É o pequeno barulho no silêncio. O ruidoso emite um som, mais ou menos do tipo:“ Desculpa” e pensa” Este gajo tem a mania. Que mal é que eu fiz?”. Começa tudo de novo, novo swing de ensaio. Faz-se à bola. Inicia o movimento, acelera demais e faz um enorme slice. “Out-of-bounds” . O “driver” ergue-se no ar num movimento rápido e qual martelo pilão aterra no chão a uma velocidade estonteante e no meio de uma série de imprecações, indescritíveis nesta prosa. O jogo prossegue. Um dos nossos heróis vai para um rough espesso. Procura-se a bola. “Que marca é?” “ É uma Tilteist nº4”. “Então não é esta. Esta é uma Prostaf velhinha”. “Ah! Está aqui a minha. Atenção que vou jogar”. O jogador abaixa-se uma vez, duas vezes, mexe nos pequenos detritos – pedras , folhas e troncos de árvores- a bola rola e dá duas cambalhotas para a direita e fica em cima duma erva mesmo a jeito para jogar. E pensa “ Será que alguém viu? Não. É impossível” Prepara o seu stance já mais confiante, põe os pés por cima de um ramo de árvore, volta a sair, vai ver por onde deve jogar, volta ao stance e depois de tudo bem pisado joga um ferro 9 impecável para meio metro da bandeira. Um birdie garantido. O fellow-competitor que o ajudara a procurar a bola, resmunga para dentro:” Mas que grande malandro! Então eu tenho a Titleist 4 no bolso e o tipo dá um shot destes?!!! E remeteu-se ao mais profundo silêncio.  

Há outras histórias bem conhecidas de “cromos “ que têm buracos num dos bolsos das calças para fazer escorregar as bolas da mesma marca. Ou os que têm caddies que lhes colocam as bolas, subtilmente, em autênticos tees e nos lugares mais insólitos como por exemplo o meio de uma regueira. Até os mais sofisticados que apagam- sim apagam- o resultado e põem outro no cartão. E os que quando se lhes pergunta o resultado, respondem” 5”. “Cinco? Mas como?”. Sim, cinco, uma para ali e outra para ali.5”. E então as outras três?. “ Ouça lá, está a duvidar de mim? 

Os quatro companheiros chegam ao green. E aí começa uma nova dança. Incomoda a minha marca aqui.? Mais à esquerda ou à direita.? O primeiro faz um ensaio, vê a linha e faz o putt. Curto. A menos de meio metro. Podia finalizar. Mas decide marcar a bola. Como tinha visto o Tiger fazer no último torneio. O jogador seguinte, passa meio metro mas também decide marcar. Lá longe no meio do fairway, outros quatro desgraçados esperam ansiosamente que os que os precedem acabem aquela dança estranha, todos muito juntinhos, à volta de um buraco. 

(Este é um dos grandes dramas do golfe a nível mundial. O Jogo lento. Uma partida de golfe não deveria durar nunca mais de 4 horas. O normal em Portugal é de 5,5 horas, quando não mais! Por amor de Deus! Vamos acabar com o jogo lento. No próximo artigo venho ao tema). 

Um dos nossos companheiros está num mau dia. Ele são “fluffs”. Ele são tops. Ele são slices. Ela são “shanks”. Até que uma alma caridosa começa insidiosamente uma conversa deste tipo?: “ Sabes o que é que estás a fazer mal?”. “Mas que  grande chatice, agora vem este dar-me lições. Bem, não te chateies e ouve lá o que ele te diz”. E a conversa gira à volta do mesmo. O peso no pé direito. Ou no esquerdo. O “flying elbow”. Roda a anca. O grip não é assim. Bate na bola, não tenhas medo. Faz um swing curto. Um comprido. Passa o peso. Olha para a bola com desprezo. Com carinho. Mas olha a bola. Não mexas a cabeça. E zás, mais um swing completamente crispado e mais uma bola que anda metade da distância e para o pior sítio. “ Estás a ver? Já foi muito melhor”.  E o aluno sofredor pensa “ Este tipo é mesmo parvo! ” 

E aqui vem-me à memória uma das boas coisas que tenho lido sobre jogo lento. Quando se aconselha os jogadores a nunca dar uma lição no campo por duas razões principais: “ Primeiro porque você não percebe nada disso. E, em segundo lugar, porque você não percebe nada disso!!!” 

Então, boas tacadas

Fernando Nunes Pedro
fnp-golfe@netcabo.pt

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Revised: 09-07-2004 .