Revista de Imprensa

Mau Feitio

Por, António Carmona Santos

 

Há dias fui assistir a uma partida de golfe entre dois amadores e um profissional. Os amadores eram de nível médio; o profissional era sobretudo professor/manager e não jogador de torneio. A partida desenrolou-se normalmente, e nada de especial haveria para dizer... se não fosse um pormenor que me chamou a atenção e que me fez meditar.

Os três jogavam de formas muito diferentes e com evidentes diferenças de categoria e de estilo. Percebia-se que não tinham tido os mesmos princípios básicos - cada um fazia o «swing» a seu modo; cada um tinha ritmos diferentes; cada um se exteriorizava à sua maneira. Havia, porém, uma coisa que - por coincidência - todos tinham em comum: um certo mau feitio em relação às peripécias do jogo.

Eles tinham, é verdade, apostas em curso; mas isso não deveria justificar tanto descontrolo. Todos sabemos que há muito mau feitio por esse mundo fora, mas quem tenha assistido a grandes torneios internacionais constatou certamente a forma irrepreensível como esses grandes campeões reagem aos momentos menos felizes. Sabendo que, no caso deles, o que está em jogo não é mais nem menos do que a parte mais importante do seu modo de vida, ainda é mais incompreensível o facto de uns conseguirem manter tanta compostura e a outros estalar o verniz à medida que as coisas se vão apresentando mais difíceis. O problema, portanto, não está na importância da partida: cada um dá-lhe a importância que quer. O problema está em quem a joga e como é que o jogo lhes foi ensinado.

É raríssimo ver-se um profissional de torneio deitar as culpas das suas dificuldades para terceiros, ou perder a cabeça e começar a dizer baboseiras a respeito de falhas próprias. Não é costume no mundo do golfe profissional manifestar-se mau humor da mesma forma que o pode fazer um principiante ou alguém que ainda não está devidamente identificado com o espírito da modalidade. Há coisas que se perdoam mais facilmente a um novato do que a quem tenha mais responsabilidade. No golfe, ao contrário do que se passa na sociedade, existe uma classificação que imprime carácter. Essa classificação deve servir não só para avaliar as capacidades técnicas do jogador, como para o definir como praticante. Não é possivel aceitar um jogador com handicap baixo que para além de jogar bem não saiba como se comportar. No caso de um profissional estas considerações têm ainda mais razão de ser, uma vez que ele tem todas as obrigações do jogador «scratch» e ainda a enorme responsabilidade de ensinar. É através dele que os novos praticantes se fixam ao jogo. Do seu comportamento e exemplo depende o futuro da modalidade. É indispensável que ensine os seus alunos a pensar bem, antes de cada jogada ou atitude. A cabeça fria e a justa avaliação das coisas fazem os bons professores e produzem os bons alunos.

Mas, afinal, o que é o mau feitio e porque se manifesta?

Normalmente todos temos contrariedades ou frustrações. O que é preciso é saber avaliar as causas, minimizar os efeitos e agir com bom senso. Aos que não querem fazer esse esforço, classificamo-los como tendo mau feitio. Todos nós temos desejos que não se realizam e todos gostaríamos de nunca falhar, mas só alguns são capazes de ter o controlo necessário para não atirar com os tacos ou culpar terceiros - ou agentes externos - pelo que aconteceu. O golfe é uma grande escola, porque não aceita birras de qualquer espécie. Quando jogamos mal, falhamos e só há uma maneira de emendar o erro - jogar melhor na próxima jogada. É só uma questão de treino. É claro que quanto mais cedo se começa, melhor. Normalmente, o mau feitio não é mais do que má educação. Em contrapartida, o bom feitio requer muita autodisciplina, bom senso e vontade de ser cortez.

Para se ter algum sucesso no golfe, como no resto, é preciso ter também uma certa modéstia nas ambições. Ser ambicioso é legítimo desde que não se torne fonte de má disposição e rancor. O 20 de handicap é tão respeitável como o «scratch», desde que tenha o bom senso de não se julgar melhor do que é. Talvez não seja despropositado citar Fernando Pessoa quando diz: «Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre.»


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Revised: 09-11-2000.