Revista de Imprensa

 

Então Boas Tacadas X - O Golfe e as Elites

Por, Fernando Nunes Pedro

 

Fernando Nunes PedroHá poucos dias atrás tive oportunidade de ver na CNN, no Programa “Living Golf” que dá todas as segundas-feiras às 21h30, aquilo que de mais “elitista” tem o golfe. Era um jogo de golfe nos confins do Afeganistão.  

O cenário era de montanhas ao fundo. Creio ter vislumbrado neve nos seus cumes o que prenunciava imagens recentes, com o Inverno a aproximar-se. O contraste do filme não era famoso. Dia sombrio. Algumas pessoas pobremente vestidas, mas muito divertidas, com ar folgazão, viam uma outra, com um taco de golfe na mão- quase que ia jurar que era um velhíssimo ferro 7 da Wilson, dos bons- a bater numa bola de golfe sob os aplausos da assistência. A certa altura percebi que eram vários os jogadores. Uns vestiam calças e camisas por baixo de camisolas que tiveram dias de mais glória e de anilina. Outros, com vestes compridas até aos pés e de panos nas cabeças. Não todos. Eram por certo muçulmanos. 

Comecei a entusiasmar-me. Chamei a família toda. 

Os fairways eram um pouco pedregosos. Usavam uma borrachinha para pôr a bola em cima. O swing era muito razoável. O do nosso herói, claro. Havia vários tipos de swing. Uns melhores que outros. O ambiente era de grande ânimo e entusiasmo. A bola foi pelo ar e aterrou, ipsis verbis, num círculo coberto de óleo e areia no meio do qual havia um buraco sinalizado por uma bandeira. Aquela bola, a da reportagem, até ficou perto da bandeira. Seguramente para um birdie. 

A superfície do círculo, ou “green”, neste caso “brown”, estava impecavelmente alisada, e a bola lá veio deslizando pelo terreno até muito perto do buraco. “Está dada, disse eu, com os meus botões”. 

As cenas seguintes eram as de um homem, com ar sofrido, de dentes estragados pela alimentação deficiente, a falar entusiasmado do seu antigo clube de golfe. Mostrou as várias taças que tinha ganho. E guardava religiosamente todas as peças de equipamento do campo de golfe. Todo o tipo de memórias, que o homem não é nada sem memória. Bolas velhissimas. Tacos com mais de trinta anos. Listas de antigos sócios do clube que ali existiu e que estava agora completamente destroçado com as sequelas da guerra.  

“ Onde é que nós já vivemos isto?” – perguntei.

O silêncio foi a resposta.  

Também nós tínhamos vivido o mesmo tipo de cenas. Um clube de golfe nos confins de África. Greens que eram browns. Borrachinhas de três tipos a fazer de tees. Um décimo quinto implemento no saco para alisar a areia cheia de óleo cujo objectivo era  “segurar” a bola. Jogavam-se partidas animadissimas. Acabava-se de jogar completamente sujo. Mais parecíamos jogadores de “raguebi”. Os caddies eram garotos dos muceques mais próximos, que apostavam entre si que jogador ia ganhar. E que faziam deslocar, sabiamente, as bolas do capim para o fairway com os dedos dos pés. O muceque era mesmo o “Muceque do Golfe”. Os tees eram de asfalto. Ainda hoje faço “colheradas” com medo de partir os pulsos. Memória muscular.  

Também nós temos cá em casa, como certamente em muitos outros lares de portugueses que vieram de África, as nossas lembranças. Taças velhas. A “Rabbit Cup” ou a “Flag Competition”. Algumas fotos e alguns filmes agora em CD, em que mal nos reconhecemos. Era tudo muito divertido. Muito saudável. Muito africano. 

O Domingos Fula eram um negro esguio, magro, que começou como caddie. Lembro-me dele com um swing heteróclito. Saía por dentro e descia por fora. Mas não fazia slices. Tinha um bom drive. Era um handicap 3 ou 4, um excelente “single figure”. Fartou-se de ganhar taças e foi campeão de Angola por várias vezes. Por certo ele estará cheio de “memorabilia” do golfe desses tempos. Exactamente como o nosso herói afegão da CNN. 

Este é o desporto das elites. Jogado por ricos e pobres. Muitos mais estes que aqueles. Por pessoas de bem, pessoas normais, e outras nem tanto. De todas as cores e credos. São quase 60 milhões os elitistas que jogam golfe. Sim, porque quem começa a jogar golfe passa a pertencer à “elite dos golfistas”. 

Tal qual o nosso amigo afegão. E o Domingos Fula. 

Já agora, estão ambos a precisar de bolas. Para o Afegão é fácil. Basta contactar a CNN e mandarem umas bolas e tacos velhos para o programa “ Living Golf”. Para o Domingos, basta uma encomenda para o Clube de Golfe de Luanda. Alguém o há-de encontrar. 

E então, boas tacadas. 

Fernando Nunes Pedro
fnp-golfe@netcabo.pt

13 Dezembro 2004

 


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