Revista de Imprensa

 

Então Boas Tacadas XIX - Golf & Jazz

Por, Fernando Nunes Pedro

 

Fernando Nunes PedroOs braços esticados acima da cabeça numa acção de alongamento. Depois para trás da cabeça e a seguir empurrando a parede com as mãos e com as pernas e as costas arqueadas num esforço contínuo em séries de 30 segundos. Gemidos de dor agradável ecoam pelos azulejos da casa de banho. 

As bochechas cheias de sabão de barba são afagadas pela máquina de corte e fazem um ruído quase inaudível mas preciso, suave mas constante. 

A água escorre pela ralo em velocidade angular e regurgita ao longo dos tubos. Sons cavos que soam por outras casas em direcção ao fundo da terra. Será?  

A porta abre-se com o cadeado martelando na parte de trás do canhão da fechadura. 

A chave é manipulada pela mão para a direita dando início ao movimento da charneira do motor e aos êmbolos dos cilindros. Um som magnífico da última bomba de 200 cv.   

A buzina de aviso ao condutor da frente que quase adormecia no semáforo ecoa pela cidade vazia.

A TSF dá as primeiras notícias que soarão repetidamente durante todo o dia: “Trinta mortos em Bagdad. Segundo fontes americanas as bombas foram...etc.” Sons de morte, rugidos fragorosos, ritmados, como baterias no limiar da dor. 

A Luna dá Jazz e clássica. Mozart nasceu em Salzburg. È o ano dele, do Amadeu. A gargalhada genial junta-se ao requiem. Sem bateria, mas ao ritmo das notas melódicas. Únicas. 

Entra-se na Vianinha e a sandwich de fiambre com manteiga começa a ser feita. A faca escorre pelo pão quente, em sucessivas mas gentis massagens como quem esfrega um prato da bateria. 

À chegada ao clube os motores vão-se apagando e os sons de saudações são acordes de cumprimento. Saudações recorrentes. Almas e pensamentos que se aprestam para a grande jornada. 

As parelhas cochicham as tácticas em ritmos dependentes do estilo e do carácter de cada um. Acordes baixos, uns; outros mais sonoros como sopranos gargalhando.   

O taco retira-se da bola passa por cima da cabeça do jogador e retorna ao ponto original à velocidade de um jacto sibilando num largo comprimento de onda. Um lambda infinito. De frequência zero. Uma guitarra gemendo, estridente. No tom certo. Constante, mas cada momento mais longe do ouvido, como no fim do tema. 

As luas de Saturno- Prometheus e Dione. Os anéis de Saturno parecem um taco; as luas, duas bolas de golfe em planios diferentesA bola rasga o ar, que lhe faz resistência. Bate numa árvore que geme de dor. As vozes acompanham ao ritmo da melodia: Ficou lá! Não saiu. Vai descer! Aí vem ela. Que linda que tu és. Já agora não escorregues para o bunker. Mas que grande vaca. Muéééé. Hoje é o teu dia, o primeiro de muitos dias, mas muitos mais se seguirão, nesta caminhada de passarinho em passarinho. O chilrear é magistral, como uma voz muito jovem, de criança, rindo connosco. Rindo da vida. As poupas apanham insectos que saltam à frente dos carros eléctricos. As andorinhas pelas tardes.  

A vez de um, é o silêncio dos outros. O recato. A imobilidade. O respeito. A atenção.  

A bola corre pelo pano verde como se de um snooker se tratasse, zunindo pela relva e marcando-a num risco que resulta da água da geada saltando à sua volta.  

O som da bola entrando no buraco é único. Frequência máxima. Amplitude mínima. Velocidade assustadora. O grito é como o da Patrícia Barber à volta do seu piano. Longo. De uma sonoridade de outro mundo. De outras galáxias. Ao ritmo do contrabaixo. Tum!Tum!Tum! Em notas rápidas, fortes que silenciam subitamente. 

Os aplausos são em uníssono. Grande birdie. Boa bola. Nice shot. Obrigado envergonhado do autor da obra e um sorriso enorme.  

È preciso fazer como Bagger Vance. Ler a melodia, sentir o “field”. Ouvir os pássaros. Ver as árvores. E a floresta também. Ver e sentir o vento. Dominá-lo, se possível, com leveza, jogando com ele. Dedilhando-o. Ao ritmo da música universal. De que cada um de nós faz parte. 

Energia. Sons. Natureza. Infinito. Fotões. Magia. Triliões de galáxias em ritmo fantástico. Com bolas de todos os tamanhos e buracos negros onde todas entram, num ribombar de grande orquestra. Ao ritmo único do Jazz, 

Golf & Jazz.
Então, Boas tacadas

Fernando Nunes Pedro
fnp-golfe@netcabo.pt
30 Janeiro 2006

 


Opções de Retorno
- Revista de Imprensa - Menu -
Indice Geral


Portugalgolf
Tel: 309 906 452 Fax: 309 906 452
E-Mail : portugalgolf@netcabo.pt
Copyright © 1996/2008. All rights reserved

Revised: 18-04-2006 .