Revista de Imprensa

 

Então Boas Tacadas V - O Golfe e a Manutenção

Por, Fernando Nunes Pedro

 

Fernando Nunes PedroHá poucos dias atrás, realizou-se no Vimeiro mais um Congresso da Associação de Green-keepers de Portugal que, em boa hora, foi criada por um conjunto de jovens engenheiros portugueses liderados por Simão da Cunha. 

O seu trabalho e o dos seus colegas tem sido a dignificação da carreira de “green-keper” de campos de  golfe no nosso país, um lugar que até há bem poucos anos era preenchido por cidadãos ingleses, ou portugueses seus discípulos. Poucos foram os nacionais que conseguiram alcançar uma posição de prestígio no núcleo muito fechado dos campos de golfe nacionais, geridos por amadores, para os quais, o campo teria que estar em boas condições apenas aos fins de semana. 

O  recente desenvolvimento do golfe comercial no Algarve - que agora se estende também para a região da grande Lisboa, com centenas de milhar de estrangeiros que nos demandam - veio criar uma nova forma de olhar a manutenção de um ponto de vista comercial. Isto é, não só é necessário manter em excelentes condições os campos de golfe todos os dias da semana, como esses trabalhos se devem desenvolver a um ritmo elevado para que, os primeiros jogadores a entrar em campo, que pagaram um “green-fee” elevado, possam usufrui-lo sem o constante ruído de máquinas e a paragem do jogo para não fazerem dos trabalhadores o alvo de bolas errantes. E à tarde, quando os últimos jogadores saem do buraco 1, é vê-los de novo em acção, para que o trabalho do dia seguinte possa ser concluído.  

Poucos serão os golfistas que sabem o sacrifício que a carreira de “green-keeper” exige. Um operador de golfe tem que estar no seu posto de trabalho no  máximo às sete horas da manhã, ainda noite muitos meses do ano. E como os “greens” têm que ser cortados todos os dias, sobra sempre trabalho aos fins de semana. A rotação do pessoal é obrigatória. Com os inconvenientes pessoais que se podem imaginar. 

O trabalho de um responsável de manutenção de campos de golfe é facilmente criticável. Obviamente que em 30, 40 ou 50 hectares há sempre muita coisa que não está bem. A perfeição não existe, a não ser na mente insidiosa dos jogadores de golfe que, ao chegarem ao templo, convencidos que são deuses, pretendem o paraíso.  

Ninguém imagina quantas horas são passadas em reuniões de orçamento para que tudo corra bem, dentro do previsto, em tempo e nos parâmetros financeiros pre-estabelecidos.   Um campo de golfe é uma área agrícola que exige cuidados diferenciados e em regime de intensidade diferente de zona para zona. 

Vejamos: os “greens” , a única área de um campo que se pode considerar de agricultura intensiva e que corresponde a cerca de 4% da superfície total do campo, tem problemas muito vastos que dependem muitas vezes da  forma como foram construídos. Há várias formas de construir “greens", mas há cuidados mínimos que é fundamental salvaguardar e que têm a ver com a sua drenagem. Que resulta não só dos drenos que são instalados, mas também da própria constituição do solo que o enforma: areias, britas de diferentes diâmetros, turfas para absorver a humidade. Estes materiais são colocados dentro de uma “caixa” que tem regras de construção específicas,  com uma profundidade previamente definida, de forma que a “rooting zone”, isto é, o sistema radicular da relva, possa absorver os nutrientes necessários à sua sobrevivência. Nem de menos nem demais. Essa forma de construir tem por exemplo normas que são definidas pela USGA- United States Golf Association- e que representam na actualidade o paradigma da construção de “greens”. Monitorizar a água, com análises periódicas, controlar o ph, diminuindo-o para que os nutrientes sejam mais facilmente absorvidos pelas raízes  é uma tarefa que exige um grau de conhecimentos que não se compadece com superficialidades. Dar à planta o azoto, fósforo e potássio, que a planta requer, verificar os teores de sódio, bicarbonatos e  calcário, são situações que padecem de toda a atenção. Juntar ao solo os nutrientes em quantidade e qualidade parametrizada, com ajuda de adubos específicos mas utilizando muitas vezes apenas o princípio activo para cada situação, não é uma tarefa fácil. A água e a sua qualidade e a irrigação, são outras das traves mestras de um bom “green”. Até há bem pouco tempo os “greens” eram regados com a utilização de mangueiras. Imagine-se o que isso não implicaria em termos de logística de equipamentos e mão de obra. Nos dias  de hoje é comum o recurso a sofisticados sistemas de irrigação automática controlada por estações computadorizadas, que dão ao “green-keeper” a possibilidade de regar criteriosamente. Mas há que ter cuidado. Pode ser que um aspersor não tenha subido, que tenha ficado preso com as areias e terras sempre em movimento. Por outro lado cada “green” é uma história. Não há dois “greens” iguais. Ter um “green” junto a uma regueira ou com sombra é um filme completamente diferente, para o que há ter toda a atenção. Depois há o vento que em muitos campos pode ser decisivo na sua classificação pelos jogadores: “greens” que são autênticos ”tambores”, que não “agarram” a bola, podem ter a ver com a sua construção, mas também da forma como são regados. Um aspersor rega com um  determinado ângulo de ataque, na presunção de que deve cobrir uma determinada área do “green” num sistema triangular. Se o desenho da irrigação não teve em conta os ventos dominantes corre-se o risco de periodicamente se enfrentarem situações de crise. Aqui está um outro pormenor. O “desenho” do especialista em rega antes da construção. Modernamente, os sistemas de irrigação podem ser mais eficientes com a instalação de “weather stations” que dão os valores de evapo-transpiração da planta- ou seja, em termos simples, a quantidade de água que é necessário fornecer à planta para a sua sobrevivência- os valores de humidade, temperaturas mínimas e máximas, radiação por m2, velocidade e direcção dos ventos, que determinam as decisões do “green-keeper” em termos de irrigação.  

Mas depois vêm as doenças nas suas formas mais estranhas. Fungos que causam calafrios tremendos aos “green-keepers” menos experientes. Que dão um aspecto terrível aos “greens” e que os jogadores subliminarmente vão registando na sua classificação pessoal do campo. Há que combatê-los. Com operações mecânicas de  aerificação do solo- isto é, furando os “greens” com ocos e maciços de diferentes diâmetros e profundidade, permitindo que a água penetre e as raízes respirem. Ou utilizando as modernas máquinas de “hidrojet”. Logo a seguir é necessário cobrir os buracos feitos por estas operações mecânicas, com a utilização de areias- o denominado “top dressing” que ao mesmo tempo nivela o “green”-. Mas aqui mais um cuidado a ter: a areia tem que ser analisada porque pode ter elementos químicos desaconselháveis.  Quando a situação não melhora há que recorrer aos fitofármacos com todas as cautelas. E depois esperar que a Natureza e o tempo façam aquilo que se espera. A cura dos “dry-patches”, do “dollar-spot”, dos “fairy-rings”, do musgo, que estragam o aspecto do “green”.  

Mas ainda não acabou. Os cortes dos “greens” a diferentes alturas e com frequências variáveis,  têm a ver com o número de jogadores, com a maior ou menor importância das competições,- se são de amadores ou de profissionais-, ou  com a temperatura do solo o que implica a maior ou menor rapidez do crescimento do sistema foliar. E, tem a ver também, com a inclinação do terreno e os seus “contours” e até com a proximidade dos “bunkers” e da areias que deles vem espalhadas pelos tacos dos jogadores o que causam estragos nas lâminas das máquinas e que por seu turno, causa o escalpelo dos “greens” e situações de “stress” nas relvas. 

Há ainda o resto do campo que ocupa 96% da área global. Que tem vida em evolução permanente, a precisar de tanta atenção como os “greens”.  

Os custos associados à manutenção de um campo de golfe são, como se pode facilmente verificar pelo que atrás se expendeu, de uma magnitude variável. A frequência dos jogadores e a sua natureza e origens,- os chamados “targets”- e as condições de solos e climatéricas, determinam os custos globais da operação. Se incluirmos a função pessoal, - “green-keeper” mais operadores e excluindo a comercialização do campo, outro vector que abordaremos noutra ocasião- os custos de manutenção de um campo de golfe de 18 buracos podem variar entre os €25.000,00 e os €55.000,00 mensais dependendo do tipo de campo- privado ou comercial. Se, no primeiro caso atribuirmos um valor de cerca € 25,00  por “green-fee” , prque é um campo relativamente pobre e é esse o preço médio de uma volta de 18 buracos, e um valor de € 40,00 porque se trata de um campo mais caro, verificamos que é preciso vender anualmente cerca de  12 mil e 16,5 mil “green-fees” respectivamente, apenas para pagar a manutenção do campo de golfe, ou seja uma ocupação diária de 32 e 45 pessoas em cada um dos casos. 

Desta análise resulta que as situações em que o golfe pode ser uma actividade lucrativa por si mesma, sem outros factores a intervir tais como a valorização imobiliária do resort em que se inserem, depende exclusivamente de uma ocupação que só se encontra ou nos campos privados com baixos custos e qualidade apenas  suficiente, mas com muitos associados, ou então em zonas de destino turístico estabelecido- como no Algarve- em que os campos têm uma ocupação de 40 a 55 mil jogadores/ano com preços de “green-fee” relativamente elevados mas com uma qualidade de manutenção que se pode dizer de elevada. 

O golfe em Portugal do ponto de vista da manutenção é uma actividade que se insere num dos “clusters” de maior sucesso do país – no Algarve- com uma carreira profissional muito interessante, criativa e inovadora a que não são alheias as certificações ambientais que rapidamente se vão alargando a quase todos os campos de forma a serem mantidos os níveis de qualidade que se já atingiram ( seis campos entre os 100 melhores da Europa Continental), e, por outro lado, os campos de outras zonas mais a norte, onde o turismo de golfe não está ainda estabelecido nos mercados emissores, que necessitam de muitos portugueses a jogar – que os não há em quantidade suficiente- o que torna a carreira dos profissionais de manutenção menos aliciante e menos convidativa. 

Assim, as iniciativas como as da Associação de “green-keepers” de Portugal têm o mérito de mostrar que uma nova forja de jovens licenciados em agronomia, ambiente, paisagismo, biologia, electromecânica, etc., estão aí para ajudar, com espírito académico, a construção de melhores campos de golfe para um país tão carecido de infra-estruturas de turísticas de qualidade.

Fernando Nunes Pedro
fnp-golfe@netcabo.pt

22 Dezembro 2003

 


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