Revista de Imprensa
Então Boas Tacadas - O Alqueva |
Por, Fernando Nunes Pedro
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Olhei para o relógio. Já tinham passado duas horas e nunca mais chegava. A temperatura no meio do Alentejo, a caminho de Moura, era elevada. O termómetro rondava os 32 º Celsius às 11 da manhã. Até à saída para Évora a viagem fora tranquila, auto-estrada afora. A partir daí, em direcção a Portel, a caminho do Alqueva, a estrada nacional 822 afunilara e, o trânsito e um condutor já menos afeito às grandes velocidades, alongara ainda mais a viagem. Alqueva à vista! O nome tem algo de alquimista, de mudança, temos que convir. Tinham passado duas horas e meia e 198 quilómetros desde Lisboa. Afinal era mais longe do que supunha. A paisagem não era muito animadora, confesso. O que ouvi de algumas opiniões daqui e dali, era de que era extraordinário. O maior lago artificial da Europa. A sua bordadura é mais extensa que toda a costa portuguesa de Caminha a Vila Real de Stº. António. Que tudo era impressionante. Confesso que não achei. Sim, deve ser grande e ocupar muito espaço. Mas água que vi ficava muito longe. E as encostas do lago devem demorar muitos anos até que fiquem consolidadas e verdejantes. Claro que por deformação profissional estava a ver o Alqueva de uma forma muito simplista, apenas como paisagismo e turismo. Mas o Alqueva será outras coisas. Espero que muitas e sobretudo uma forma de guardar água para distribuição em áreas em que possam ser utilizadas com mais-valias consideráveis. O que sei do Alqueva, em termos políticos e sociais bebi-o nas crónicas de Miguel Sousa Tavares. Dizia ele que o Alqueva só serviria os interesses dos proprietários de campos de golfe, que aí construiriam dezenas deles, e que os alentejanos ficariam o resto das suas vidas a servir bicas aos reformados do Norte da Europa. Com o que , obviamente, não concordei. E nunca concordei porque sempre achei que uma terra, um determinado lugar, serve para aquilo que tem apetência, para o que é natural. Ora, o Alentejo, a mais bela província portuguesa, não deve ser fadada para a agricultura. Não chove muito ou quando chove é tempestade. Faz muito calor no Verão e de Inverno é um quase inferno. A espessura de terra é escassa e não muito rica. Sempre ouvi dizer que os barros de Beja davam 2,5 toneladas de cereais por hectare, enquanto nos arredores de Paris a produtividade era de mais de 6 tons/hectare. Então, a solução seria arranjar água para regar. Daí a razão para o Alqueva. Só que, tal como o cronista referido, também não acredito que se possa cultivar algo que já não haja em quantidades enormes por esse mundo fora, nomeadamente em Espanha, ou que seja suficientemente rápido para a mentalidade lusitana. Isto é, negócio que dê lucro muito depressa e que não precisa ser muito, que nós satisfazemo-nos com pouco. Depois falta-nos aquele espírito associativista que é a fonte de todos os nossos males. Como a terra é pobre é preciso sacar rápido e tirar depressa o maior lucro possível. Só que até os “cow-boys” na América se juntaram para produzir mais e melhor, para eles e para todo o mundo. Nós, não. Nós somos auto-suficientes em tudo, especialmente na esperteza que, a maior parte da vezes, ronda a genialidade. Por isso a solução talvez melhor, seja mesmo vender as terras aos espanhóis para dela fazerem bom uso, aumentarem as suas produções e garantirem preços a nível mundial. De azeite, de milho para fazer etanol, de produtos hortícolas. Tudo claro com uma grande capacidade associativa. Não acho mal. De resto foi o que já se fez com o outro Alqueva, o mais rico. Isto é, o mar. O mar infinito que temos à nossa frente e que vendemos em quotas de pesca aos espanhóis, japoneses, russos, quedando-nos nós pela pesca artesanal para satisfação da classe política dominante. E afinal o que é que tudo isto tem a ver com o golfe no Alqueva?. Tem tudo e não tem nada. O que pude saber é que existe legislação que não permite a construção seja do que for a menos de 500 metros do leito da água. E que não se pode construir nada mais alto que tape a linha de horizonte em relação à superfície da água. Aqui começam os problemas para quem quer fazer turismo. O Estado reserva para si aquilo que acha que vai ser mais produtivo. A borda da água. Os donos dos terrenos adjacentes pensam ter a melhor localização e os melhores lobbies para ultrapassarem as dificuldades legais ou outras que se lhes apresentem. A meu ver, outras formas haveria de se obterem bons resultados nesta área. Fazer um estudo congregado sobre a demografia da região, quantas cidades e vilas existem, quantas pessoas aí vivem, que idade têm, quantas estão no desemprego, quais as principais produções agrícolas que se cultivam, o que se come e o que é bom para dar de comer, com inovação, a quem gosta de comer e de beber- gastronomia alentejana-, que estradas temos e que sucesso pode haver com um aeroporto como o de Beja, que História e cultura temos e como vendê-la, com orgulho já agora, criando roteiros turísticos multi-disciplinares entre os quais o golfe poderia ser uma oportunidade. Mas não para fazer muitos. Bastavam 7 ou 8. Bons campos, com excelentes hotéis. Com bons restaurantes. Com muitas outras actividades tais como a vela e outros desportos náuticos não poluentes. Com os cavalos e toda a cultura que lhe está associada. Com a caça. Tudo isto num espaço que poderia ser previamente arranjado entre os proprietários da região e onde se faria um “master-plan” de que todos seriam proprietários. Com grande espírito associativo e com um sócio muito especial. O Estado português. Com metade dos investimentos a fundo perdido. Sendo um “silent partner”. Se assim fosse possível fazer talvez que em 30 anos o Alentejo aumentasse a sua população e o seu rendimento per capita . Muito provavelmente, os mais jovens interessar-se-iam por ficar, em vez de partir. E naturalmente a agricultura começava a fazer sentido. Porque finalmente haveria perspectivas a 30 anos. Agricultura inteligente, inovadora. Com mercados garantidos, pela qualidade. Falta ainda a formação. Mas as pessoas são fantásticas. Aprendem depressa. O problema talvez esteja no que Pessoa dizia: “ Não há povo sem aristocracia”. Mas se não criamos as elites só há uma solução para o Alqueva. É esperar por um milagre e tornar a sua água afrodisíaca. Como um alquimista. Alqueva. Então, boas tacadas 11 Agosto 2003 |
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