Revista de Imprensa
Uma ode ao golfe
Por, Rogério Martins
Devia
ser um desporto dado aos miúdos das escolas. Ensina perseverança e disciplina mental.
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O verão trouxe, em fim de Julho, um belo texto de John Updike, Uma Ode ao golfe, reflectindo toda a cativante, evasiva, exigente natureza do jogo. Velha paixão; já o seu anti-heroi Rabbitt, para dar a volta á vida, é a jogar com o Pastor no percurso local que faz a necessária terapia. E tem experiência libertadora e catártica de uma tacada longa que sai bem: ao envolar-se a bola, cavalgando dominante as alturas, é como se a Graça o tocasse. Sublime texto. Devia haver cópias nas paredes dos clubes. Apesar de 30 milhões de praticantes no mundo, dir-me-ão : «Mas esse jogo não foi sempre coutada dos novos ricos, ou dos ricos de novo, ansiosos de exibir poder pela odiosa forma de excluir os outros das coisas boas que vivem?» Claro que não. Nasceu onde a democracia é uma forma de convívio cívico antes de ser uma forma de governo; por isso, nas Ilhas Britânicas, há campos para toda a gente, e acontece o taxista nos interrogar sobre o par de tacos que pousamos ao seu lado, porque tem de renovar os seus, ou o taberneiro da aldeia nos aconselhar sobre o melhor modo de fazer o par no 14 do campo local, que é defendido por um rosário de bancas. O golfe pode e deve ser um desporto para todos. Dado aos miúdos das escolas secundárias. Ensina perseverança e disciplina mental. Vejam os ingleses... A Espanha há muito que começou a mexer-se nesse sentido também; além dos Azes, tem centos de jovens que treinam em campos por toda «a pele de touro»; só poucos serão campeões, mas todos ganharão força de caracter e gosto de vencer. Nos EUA, onde a exclusão do dinheiro se reforçava com a racial, as coisas evoluem a ritmo acelerado com a fulgurância de Eldrick Woods: os clubes vão-se abrindo aos colored, mas sobretudo a sua Tiger Woods Foundation tem uma acção revolucionária visando, como ele diz, «to make golf look more like America», «tomar o golfe mais parecido com a America». Isto é, abri-lo a novos horizontes inter-raciais e inter-classistas: abri-lo aos bairros degradados. Tiger, o ás dos Azes, é um decidido reformador social: disponibiliza os meios e o seu tempo, com um fervor de missão. E por cá? Progride-se na organização: nova comissão de handicaps; criação da PGA, a Associação Profissional de Golfe que fez logo de seguida a primeira acção de formação. Arruma-se a casa. Mas falta tudo ao nível da consciencialização cívica: falta a convicção de que é uma tarefa nacional ensinar o golfe a largas camadas de jovens de todas as origens. O Presidente Sampaio, cujo gosto pela prática o fará entender isto, teria aqui um campo adequado de sugestão. Rasgando de caminho o cliché desbotante do golfe como snobismo de ricos posando para o social. Porque, e este é o ponto, o golfe parece feito de propósito para curar o pior do feitio e da educação dos portugueses: que é o medo de levar as coisas a seu termo; a angustia de vencer; o desleixo em acabar o começado; o contentar-se com o «quási». No golfe, «quási», não chega. Não interessa a beleza das tacadas anteriores se, no green, não se mete a bola no buraco. É isso, a completação, que conta. E a contagem dos golpes necessários para isso. Não há excusas: «foi por pouco», «esforçou-se tanto», «fez o que pôde». A nitidez escocesa do golfe rejeita fumistas: as pancadas foram as que foram. O resultado é um número. Um número que se compara com outros. Cortante de realismo: o que foi, é o que é. Nada de «quásis», jeitos ou desculpas. E todos têm a mesma chance. Não há ingerência do competidor. O golfista joga contra si próprio. Se a pancada sai bem ou mal, só depende dele. Se falhou, deve preparar-se melhor; no físico e no mental. Não pode desculpar-se com os outros. O golfista está sozinho diante da sua responsabilidade. É exactamente o contrário das nossas «passagens de ano na secretária», de ninguém se assumir se os túneis desabam, do «coitadinho», da «cunha». O golfe ensina que a excelência é irmã gémea da honestidade. Não há, por isso, tempo a perder para começar a ensina-lo aos miúdos desta terra: eles ainda devem ir a tempo de assimilar que «quási», não basta. O golfe paraece feito para curar o pior do feitio dos portugueses: o medo de levar as coisas a seu termo
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Revista "Visão" - 26 de Outubro 2000
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